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18 de junho de 2013

Barco Naufraga

     Barcos possuem almas - assim diria ele com olhos de marujo oblíquo. São tesouros que o oceano esconde, com vidas esquecidas, lembranças guardadas cobertas com areia e pintados de corais. São almas guardadas, cristalizadas pelas águas. Cristais poéticos que melodiam junto aos acordeons tocados pelos espíritos que vagam entre os mastros dos navios que descansam entre a inquietude do mar. Disso ele tinha certeza: seus olhos eram marejados da cor do oceano. Seus olhos eram azuis, continham neles os brilhos das pérolas que as ostras escondiam entre as alcovas marítimas no silêncio da inquietude que brotavam das conchas soterradas na areia. Seu grito é uma ferida aberta, o marujo carrega em seu pescoço uma âncora desde que sua sereia do cabelo verde algas fugiu de seus braços e virou areia quando beijou sua boca. Era dali onde nasciam às melodias sopradas pelos ventos uivantes dos mares sombrios, eram como marujo sem seu leme para navegar.
     O pior de tudo era a âncora cravada no pescoço. O marujo só sabia afundar, nunca submergir e ficava ancorado na areia do mar. Imprensado sobre os corais, preso, submerso na inquietude cristalina das águas. É uma ferida exposta que o vento ecoa nos seus pulmões, o marujo sangra por dentro e derrama o oceano por fora. Marujos choram oceano, derramam água do mar pelos olhos. Suas mãos não têm texturas tênues: são cortes na palma da mão e sal nas pontas dos dedos. O marujo derrama oceano pelos olhos e se mata por dentro. O barco só afunda e o marujo só âncora. Mataram sua sereia: ele a matou, seu beijo foi um veneno mortal, seu amor foi um arpão que atravessou seu corpo e ficou feito tristeza suspensa; o marujo naufragou no oceano que derramava em seu rosto.  
     Um passo é uma ferida. O mar é o seu coagulo. Sua ferida é mar aberto. Suas mãos são cacos de vidro, e ele só arranha o casco. Um iceberg é só mais uma pedra na sola da sua bota. Agora somos pequenos demais. Sua sereia se foi, agora não resta nada além de mãos salgadas que o mar toca. O mar não é infinito, sua ferida pode durar para sempre. Enquanto mais ele perfura com seus arpões, mais fundo ele vai ficando. O seu barco está afundado, o marujo está afundando. Somos todos mortais, mas o marujo não é mortal. Quando um barco afunda sua alma fica submersa nas alcovas marítimas aos sons dos acordeons tocados pelos outros marujos que já viram o mar os engolindo pouco a pouco, até não sobrar mais nenhuma lembrança insana do mundo que é lá em cima. O mar é uma fera adormecida e só os mais bravos navegantes são insanos o bastante a ponto de atacarem de frente. 
     Não é o barco que afunda, é você que naufraga marujo. Engole o seu grito, sua sereia está no mar. O mar é a sua sereia dos cabelos verdes algas. As perolas são seus tesouros, o barco é a sua alma. Agora o mar te engole e ninguém, além de mim, esteve lá para ver. Ninguém pode sentir a dor que é o mar preenchendo o vazio por dentro. Agora você faz parte do mar marujo. Agora você também é o mar, sua alma esta no mar, junto ao seu barco para tomar cerveja e tocar acordeons. Somos todos uma incógnita; o mar é o mais temível enigma. 
     O barco naufragou.
     Foi lindo.
     Só eu chorei. 
Mais Alto que Bombas | Tumblr 
 

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