Páginas

21 de junho de 2013

(…) Sua atenção fixou-se no cadáver. Era de um mulato ainda moço, comprido e atlético. Gil sabia que para Schultz aquele corpo não passava duma coisa. (Muitas vezes haviam discutido isso.) Uma coisa inerte que ia para a vala comum e que agora tinha o valor transitório e muito relativo de peça anatômica. “Fora disso - afirmava sempre Schultz - tudo mais é sentimentalismo tolo.”
Para Gil, entretanto, aquele cadáver era antes de tudo um homem, havia sido o invólucro duma alma, um continente misterioso, povoado de sonhos, sensações, desejos, necessidades.
O ambiente do necrotério causava-lhe indefinível mal-estar. As emanações de formol que andavam no ar faziam arder-lhe as narinas. Era um pouco no estômago que ele sentia a presença dos cadáveres. Tudo isso era estúpido. Naturalmente a grande repugnância dos primeiros tempos tinha sido vencida à força de hábito. Mas ficara a sensação de angústia, o desejo de fuga para o sol e para o ar livre.
Gil não estava muito interessado em aprender coisas sobre o deltóide. Isso não lhe desvendava o segredo da alma. Por que era que as criaturas sonhavam? Por que odiavam? Por que tinham medo? Apanhara um dia um cérebro, quando estudava o sistema nervoso central. Parecia-lhe impossível que aquela massa cinzenta, sujeita à decomposição, fosse um tão complicado e rico universo. Se ele esmagasse entre os dedos o cérebro dum músico - De Beethoven, por exemplo - poderia dizer que estava destruindo no nascedouro uma sinfonia tão bela como a nona ou a sexta, ou um outro concerto tão nobre como o do Imperador? Estariam essas melodias contidas na massa encefálica do mesmo modo que os evolucionistas queriam que o Hamlet de Shakespeare ou as telas de Gauguin estivessem implícitas na nebulosa primitiva?
Érico Veríssimo - "O resto é silêncio" 

Por causa dos seus olhos.

Porque as coisas quebram em mim. Porque eu estou sempre explicando algo a alguém que eu não conheço direito. Porque eu espero, por Deus, como espero. Mas não tenho paciência nenhuma com nada. Porque o trem perto de casa só faz barulho quando eu resolvo ouvir. Porque eu não vejo ninguém além de quem amo. Porque a minha blusa favorita já está apertada e eu ainda insisto em vestir. Porque quando mamãe jogou fora o presente que o meu pai me deu é como se eu tivesse ido com ele. Porque você não precisa me entender pra saber do que eu estou falando. Porque a luz do quarto principal da minha vizinha está sempre acesa e nunca tem alguém em casa. A presença permanece mesmo que ninguém permaneça no lugar. As lembranças. Porque os minutos desse relógio não se importam com ninguém e ainda queremos saber dele. Porque o tempo também não importa. Não há dias. E isso sempre vai ser uma novidade pra mim. Porque sempre falam da lua como se fosse eu e nunca é, eu sempre falo do céu como se fosse você e sempre é. Porque a negação de pra sempre é pra sempre. Por isso eu te disse: sim e não, talvez e nunca, pra sempre e pra sempre. Porque os significados se explicam. E por isso eu pergunto toda hora se isso significa pra você, porque isso vai me explicar. Porque o que tem dentro de nós não são só entranhas. Porque o pôr-do-sol tem medo e por isso ele é devagar. Porque a física gosta de me confundir e mesmo assim sei que não caio pela gravidade. Porque a rua é estreita e ainda quero te levar. Porque brigo com as pessoas quando quero ajuda. E por isso talvez a minha mãe quer que eu vá no psicólogo ver se tenho depressão. Porque as coisas são lindas demais pra ninguém chorar por elas. Porque o escuro não consegue esconder e a luz apagada só representa que você ainda vai estar ali. Porque, de novo, eu sempre vou te falar, eu só vejo quem eu amo. Porque nos outros olhos eu me vejo e parece que eu estou dentro deles. Eu amo isso. Porque nos seus eu não consigo me ver. É porque eu só vejo você.
Amanda Lua, quebraroutroespelho | Tumblr 
Escrevo porque é assim que fujo do resto do mundo. Porque eu não sei gritar e dizer palavras horríveis para ninguém. Escrevo porque é o que resta a alguém que não sabe reagir aos golpes que leva. Escrevo porque a fala me parece muito rápida e de fácil esquecimento. No entanto um texto pode durar anos e anos na memória de alguém. Pode mudar uma vida. A fala, ao menos a minha, acontece aos socos, intercalada por pensamentos. Já a escrita é leve, é clara, é óbvia. É quase como um tapa na cara, um “acorda para vida!”. Ela é capaz de desvendar alguém. Não é que o dizer seja assim tão ruim, é que a palavra escrita tem o tempo necessário para ser corrigida e raciocinada. Ela é a palavra a ser dita tomando forma. Escrevo porque me parece mais simples. Não exige esforços das cordas vocais e preocupações com a entonação. A pontuação dá o tom àquilo que se escreve e cada um interpreta como quiser. Escrevo pois ainda acredito poder alcançar mais corações do que minha voz jamais alcançaria. E o faço na esperança de continuar viva dentro de cada sílaba minha, enquanto as palavras ditas vão embora com o vento depois que os ouvintes partem. Escrevo porque não me cabe tanto sentimento e estes não me passam pela garganta. Escrevo porque sobrei no mundo como Macabéa. E o mundo sobrou para ser descrito por mim. Porque sempre senti necessidade de dividir e, desta forma, distribuo pedacinhos meus por aí. Escrevo porque é a maneira que encontro de espalhar meus medos e alegrias como grãos de pólen. Porque vivo de palavras e as palavras brotam de mim.
rio-doce | Tumblr 
Quando terminei de ler o poema, todos estavam em silêncio. Um silêncio muito triste. Mas a coisa maravilhosa foi que não era uma tristeza ruim. Era só alguma coisa que fazia com que todos olhassem para os outros e soubessem quem eles eram. Sam e Patrick olharam para mim. E eu olhei para eles. E acho que eles sabiam. Não alguma coisa específica. Apenas sabiam. E eu acho que é tudo o que você pode pedir de um amigo.
As Vantagens de ser Invisível. 

Sobre a contemplação do tempo numa visita ao asilo.

Nunca pensei que o tempo pudesse ser tão mesquinho e cruel, eu, amante das rugas e de longas histórias, me senti tocando o fio do futuro quando visitei um asilo pela primeira vez. A solidão que emanava das pessoas era glacial de tal forma que me senti paralisada por alguns minutos, não conseguia sorrir, ser cordial ou simplesmente dizer oi a alguém. Quando, de um em um, os queridos velinhos foram levados para o pátio, eu não consegui fugir daqueles olhos, daquelas retinas fatigadas e desgastadas, sucumbi ao abismo do tempo e fui levada pela história. Havia crianças, crianças de colo que desaprenderam como se anda, crianças querendo chamar atenção, a competição era para ver quem cativava mais. Os que ainda se lembravam de como se fala se atropelavam em casos e casos, enumeravam filhos, netos, bisnetos, papagaios, gatos e cachorros.  As lembranças frescas na memória confirmavam como a vida é efêmera, como somos um simples rascunho que não custa ir para o lixo.
Eu conheci ladies e gentlemen, poetas falidos, charlatães, conquistadores baratos e quem só queria viver a vida em paz. E percebi que o que temos hoje, é a memória dolorida de amanhã, que servimos o tempo e ele nos destrói e que família é a melhor coisa do mundo.
H. Conrado, pos-guerra | Tumblr. 

19 de junho de 2013

Teus cabelos a dançar com o vento, teus olhos refletiam a luz do sol, sua pele bronzeada e seus lábios, que não perdiam a beleza mesmo ressecados. Era um fascínio aos meus olhos, fotografava cada movimento teu, você roubou a minha atenção. Garanto que se eu tivesse você ao meu lado, te faria feliz e lutaria pra não ser um amor de veraneio, aliás te queria nem se você me quisesse só no verão. Teu sorriso é convidativo, teus gestos leves hipnotizam. Só queria que você me desse uma chance de lhe dizer que você é de uma beleza cativante, a mais bonita que meus olhos verão.
Sucintar | Tumblr 
dê-me um átomo do abismo em que você desfaz suas lágrimas, e eu farei do teu suor, licor. o disparo de um último trovão. atrito. chuva de verão. dê-me o último movimento de uma estátua de sossegada existência, estática diante do estado de arrependimento. o desprendimento de tudo, menos do céu em decomposição, que chove o sangue ácido de nebulosas. paredes gastas pela ansiedade. pegadas sobre o chão sujo da rodoviária. saguão vazio. viagem em direção ao inverno. dias frios, de caudalosas saudades. no peito, uma cidade aguda, comprimida entre a agulha e o disco que você mais gosta.
Denis Harley, Só uma fase | Tumblr. 
Eu sou daquelas pessoas inseguras que volta pra ver se fechou a torneira, se a porta está trancada, se o fogão está desligado. Eu sempre fui assim, sempre precisei reafirmar minhas certezas - então não me culpe se eu ficar perguntando se você ainda gosta de mim umas dez vezes ao dia. Aceite-me como sou, que eu te aceito como tu és.
Caio Augusto Leite. 
Talvez o problema seja eu. Talvez eu espere demais das pessoas. Talvez eu queira muito. Talvez o problema seja meu. Onde estão os valores? Onde foi parar o conceito de certo e errado? Onde está o coração das pessoas? Sim, eu sei que ele fica do lado esquerdo do peito. Mas tem muita gente com o coração oco. Ou cheio de porcaria.
Clarissa Corrêa.